O que é o regime de lucro real
O lucro real é um regime tributário que define a base de cálculo do IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) a partir do lucro líquido contábil da empresa, ajustado conforme regras fiscais da legislação.
Ou seja, em vez de aplicar uma presunção sobre o faturamento (como no lucro presumido), o lucro real considera efetivamente o resultado financeiro da empresa: receitas menos despesas, com os ajustes determinados pela Receita Federal.
Isso torna o regime mais justo em relação à capacidade econômica da empresa, mas também mais complexo e rigoroso, exigindo escrituração contábil completa e controle detalhado de todas as operações.
Apuração baseada no lucro contábil ajustado
A base de cálculo do lucro real parte do lucro líquido apurado na contabilidade. Sobre esse valor, a empresa deve aplicar adições e exclusões fiscais, conforme normas específicas. Esses ajustes visam adequar o lucro contábil às regras tributárias.
Exemplos de ajustes incluem:
- Adições: despesas que não são dedutíveis para fins fiscais (como multas, doações não incentivadas, provisões não permitidas);
- Exclusões: incentivos fiscais ou receitas não tributáveis;
- Compensações: prejuízos fiscais acumulados em exercícios anteriores (limitados a 30% do lucro do período).
Empresas obrigadas a adotar o regime
Embora o lucro real seja uma opção para qualquer empresa, há casos em que ele é obrigatório. São obrigadas a adotar o lucro real as empresas que:
- Têm receita bruta anual superior a R$ 78 milhões;
- Atuam como instituições financeiras, seguradoras, corretoras, factorings e equiparadas;
- Realizam atividades com ganhos de capital, como exploração de imóveis, ou possuem lucros provenientes do exterior;
- Têm benefícios fiscais específicos que exigem apuração pelo lucro real;
- Enquadram-se em situações previstas na legislação que vedam o uso do lucro presumido.
Além disso, o lucro real é frequentemente escolhido por empresas com margem de lucro baixa ou instável, que, se optarem pelo lucro presumido, poderiam pagar impostos sobre um valor superior ao que efetivamente lucraram.
Leia também: “Quais obrigações fiscais sua PME precisa cumprir além da emissão de nota fiscal”.
Como funciona a apuração no lucro real
A apuração no regime de lucro real exige atenção e controle contábil rigoroso, pois envolve a escrituração completa das operações da empresa e a aplicação de ajustes fiscais definidos pela legislação.
A base de cálculo do IRPJ e da CSLL é determinada pelo lucro contábil ajustado, o que significa que não basta considerar o resultado financeiro da empresa é preciso aplicar regras fiscais específicas.
Ajustes de adições e exclusões
Após apurar o lucro líquido contábil, a empresa deve realizar ajustes fiscais obrigatórios para chegar ao lucro real, base de cálculo dos tributos.
Esses ajustes podem ser:
- Adições: incluem despesas contabilizadas que não são aceitas pela legislação tributária para dedução. Exemplos:
- Multas por infrações fiscais;
- Provisões não dedutíveis (como provisão para devedores duvidosos sem critérios legais);
- Gastos com brindes ou doações sem incentivo fiscal.
- Exclusões: referem-se a receitas ou benefícios fiscais que não são tributados. Por exemplo:
- Subvenções para investimento com documentação adequada;
- Juros sobre capital próprio, até o limite legal.
- Compensações: o lucro real também permite que a empresa compense prejuízos fiscais acumulados de anos anteriores, desde que respeitado o limite de 30% do lucro líquido ajustado do período.
Esses ajustes são registrados em um livro fiscal chamado Lalur (Livro de Apuração do Lucro Real), hoje substituído em formato eletrônico pelo e-Lalur, parte da escrituração no SPED.
Período de apuração trimestral ou anual
As empresas no lucro real podem escolher entre dois métodos de apuração:
Apuração Trimestral (mais comum): A empresa apura o IRPJ e a CSLL a cada trimestre do ano:
- 1º trimestre: janeiro a março
- 2º trimestre: abril a junho
- 3º trimestre: julho a setembro
- 4º trimestre: outubro a dezembro
Cada trimestre é fechado de forma independente, e se houver prejuízo fiscal em um deles, ele não pode ser compensado nos trimestres seguintes, apenas nos anos seguintes (respeitando o limite de 30%).
Vantagem: previsibilidade tributária ao longo do ano.
Desvantagem: menor flexibilidade para compensar prejuízos recentes.
Apuração Anual com recolhimento mensal por estimativa: Nesse caso, a empresa calcula os impostos mensalmente com base em:
- Estimativas mensais (por receita bruta ou por balancete de redução);
- O lucro real definitivo só é apurado no fechamento do exercício (dezembro);
- Os valores pagos ao longo do ano são ajustados na declaração anual.
Vantagem: permite compensar prejuízos fiscais de meses anteriores no próprio ano-calendário.
Desvantagem: mais complexidade contábil e necessidade de monitoramento mensal rigoroso.
Importante: A opção pelo regime anual ou trimestral é feita no início de cada ano e não pode ser alterada até o final do exercício.
Alíquotas e tributos do lucro real
O regime de Lucro Real é caracterizado pela apuração de tributos federais com base no lucro efetivamente obtido pela empresa, após ajustes fiscais. Os dois principais tributos cobrados sobre o lucro são o IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).
Além deles, a empresa também continua sujeita a tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS, entre outros, de acordo com sua atividade, mas o foco aqui será nos tributos que incidem diretamente sobre o lucro.
IRPJ
No Lucro Real, o IRPJ é calculado com base no lucro contábil ajustado, ou seja, após as adições, exclusões e compensações fiscais previstas na legislação.
- Alíquota base: 15% sobre o lucro real apurado no período.
- Adicional de IRPJ: se o lucro real trimestral (ou mensal, no caso de estimativa) ultrapassar R$ 60.000, incide um adicional de 10% sobre o valor excedente.
Exemplo:
Se a empresa apurou R$ 100.000 de lucro real em um trimestre:
- Os primeiros R$ 60.000 pagam 15% de IRPJ.
- Os R$ 40.000 excedentes pagam 25% (15% + 10% de adicional).
Esse modelo busca tributar com mais intensidade empresas que apresentam lucros mais elevados, dentro do conceito de progressividade tributária.
CSLL
A CSLL também é calculada sobre o lucro real apurado, após os ajustes fiscais.
- Alíquota padrão: 9% para a maioria das empresas.
- Exceções:
- Instituições financeiras (como bancos, seguradoras e cooperativas de crédito) pagam alíquota maior, atualmente entre 15% e 20%, conforme legislação específica.
A CSLL, ao contrário do IRPJ, não tem faixa de isenção nem adicional. A alíquota é aplicada integralmente sobre o lucro real do período.
Conheça o Simples Nacional em: “Simples Nacional: como funciona o regime e o que sua empresa precisa saber“.
Vantagens e desafios do lucro real
O regime de Lucro Real é conhecido por ser o mais completo e técnico entre os regimes tributários existentes no Brasil. Ele oferece oportunidades significativas para empresas com estruturas bem organizadas e margens mais apertadas, mas também exige muito mais controle e precisão contábil e fiscal.
Aproveitamento total de despesas dedutíveis
Uma das maiores vantagens do Lucro Real é a possibilidade de deduzir todas as despesas operacionais necessárias à atividade da empresa na apuração dos tributos. Isso inclui:
- Despesas administrativas (aluguel, energia, água, internet, etc.);
- Gastos com pessoal (salários, encargos, benefícios);
- Insumos e matérias-primas;
- Despesas com marketing, tecnologia e serviços contratados;
- Depreciações, amortizações e perdas comprovadas.
Essa flexibilidade permite que empresas com margem de lucro reduzida ou altos custos operacionais tenham uma carga tributária proporcionalmente mais justa. Além disso:
- É possível compensar prejuízos fiscais de trimestres ou anos anteriores (limitado a 30% do lucro futuro);
- Empresas podem tomar créditos de PIS e Cofins no regime não cumulativo (diferente do Lucro Presumido);
- Há mais espaço para realizar planejamento tributário legal, aproveitando incentivos, créditos e deduções.
Ideal para empresas com custos elevados, margens apertadas ou operações com variações significativas de lucro entre os períodos.
Complexidade operacional e necessidade de controles robustos
Apesar de suas vantagens, o Lucro Real exige uma estrutura contábil, fiscal e tecnológica muito mais robusta. Essa complexidade é o principal desafio do regime, e pode gerar riscos para empresas que não têm controle interno adequado.
Principais dificuldades enfrentadas:
- Obrigatoriedade de escrituração contábil completa, incluindo balanço patrimonial, DRE e livros fiscais;
- Necessidade de realizar ajustes fiscais manuais de adições, exclusões e compensações de acordo com a legislação;
- Exigência de controles rigorosos sobre despesas dedutíveis e receitas tributáveis, com documentação comprobatória;
- Apuração e entrega de diversas obrigações acessórias, como SPED Contábil (ECD), SPED Fiscal, ECF, DCTF, DIRF, entre outras;
- Alto volume de cruzamento de dados por parte da Receita Federal, o que aumenta o risco de autuações em caso de inconsistência.
Além disso, empresas no Lucro Real estão mais expostas à fiscalização eletrônica (malha fina) e devem manter uma equipe ou consultoria especializada para evitar erros na apuração.
Sem um controle adequado, o risco de multas, glosas de despesas ou prejuízos com fiscalizações aumenta consideravelmente.
Saiba mais sobre crédito e débito tributário em: “Crédito Tributário: o que é e o que gera” e “Débito Tributário: o que gera e como pagar”.
O que muda no lucro real com a Reforma Tributária?
Com a aprovação da Emenda Constitucional 132/2023, a Reforma Tributária traz uma profunda transformação no sistema de tributos sobre o consumo no Brasil.
Embora o Lucro Real continue sendo um dos regimes de apuração do IRPJ e da CSLL, a chegada de novos tributos como CBS (federal), IBS (estadual/municipal) e IS (Imposto Seletivo) afeta diretamente a gestão tributária e fiscal das empresas optantes pelo Lucro Real.
CBS e IBS substituem PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI
O Lucro Real não será extinto com a Reforma, mas passará a conviver com novas regras de apuração para os tributos sobre o consumo. Os impactos mais relevantes incluem:
- Fim do PIS e da Cofins, que atualmente são apurados no regime não cumulativo no Lucro Real, dando lugar à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS);
- Extinção do IPI, ICMS e ISS, que serão gradualmente substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS);
- Os novos tributos terão alíquotas únicas, com exceções para alguns setores, e regras mais padronizadas;
- A não cumulatividade ampla será adotada de forma integral, permitindo créditos sobre todos os insumos, independentemente do setor — o que pode beneficiar empresas com alto volume de compras e serviços.
Créditos tributários mais amplos e uniformes
Para empresas no Lucro Real, a nova lógica de créditos pode representar vantagens estratégicas:
- Possibilidade de recuperar créditos sobre insumos anteriormente não admitidos (como energia, serviços de marketing, despesas administrativas);
- Menor risco de glosas fiscais, já que a nova legislação tende a ser mais objetiva e menos interpretativa;
- A conformidade digital e o cruzamento de dados se intensificam com a digitalização total da escrituração fiscal, exigindo maior alinhamento entre ERP, SPED e sistemas emissores.
Período de transição e dupla apuração
De 2026 a 2032, haverá um período de transição em que empresas precisarão:
- Apurar simultaneamente os tributos do modelo antigo e do novo;
- Atualizar sistemas, parametrizações fiscais e documentos eletrônicos (como NF-e) com os novos campos exigidos pela CBS e IBS;
- Garantir consistência entre as apurações feitas no Lucro Real e os novos modelos de escrituração e crédito dos tributos sobre o consumo.
Esse cenário exige planejamento tributário proativo, revisão de processos e apoio técnico especializado, especialmente para quem já opera no Lucro Real, com alto volume de obrigações acessórias e rotinas complexas.
Saiba o cronograma completo da Reforma em: “Reforma Tributária: o que muda e cronograma tributário até 2033”.
Conclusão: ideal para empresas com custos elevados ou margens variáveis
O Lucro Real permanece sendo um dos regimes mais vantajosos para empresas que possuem custos operacionais elevados, margens instáveis ou operam com prejuízos fiscais compensáveis. Ele oferece:
- Aproveitamento integral das despesas dedutíveis;
- Recuperação de créditos fiscais relevantes;
- Aderência às exigências legais, mesmo em setores regulados ou sujeitos a auditoria rigorosa.
Por outro lado, a complexidade desse regime exige:
- Contabilidade organizada;
- Automação fiscal eficiente;
- Equipe ou suporte contábil especializado;
- Controle total sobre documentos e obrigações.
Com a Reforma Tributária, o Lucro Real continua sendo uma opção estratégica, mas será impactado pelas novas formas de apuração de tributos sobre o consumo, o que exigirá ainda mais atenção à conformidade digital, cruzamento de informações e atualizações legais.
Se sua empresa está considerando ou já optou pelo Lucro Real, este é o momento ideal para revisar sua estrutura contábil, preparar sua equipe e se antecipar às mudanças que estão por vir com a nova legislação tributária brasileira.




