O que são créditos tributários e como funcionam hoje
No contexto fiscal brasileiro, crédito tributário é o direito que a empresa tem de abater, da quantia de tributos devidos, os valores pagos na etapa anterior da cadeia produtiva. O objetivo é evitar a bitributação e garantir que o imposto seja cobrado apenas sobre o valor agregado.
Apesar de o conceito parecer simples, o modelo atual de créditos no Brasil é complexo, limitado e parcialmente cumulativo, o que gera distorções e inseguranças para os contribuintes.
O que muda e cronograma tributário em: “Reforma Tributária: o que muda e cronograma tributário até 2033”.
Crédito de ICMS, PIS e Cofins no sistema tributário atual
Atualmente, os principais tributos indiretos que permitem a apropriação de crédito são:
- ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços): tributo estadual com regras diferentes em cada estado. O crédito de ICMS geralmente se aplica à compra de mercadorias utilizadas na produção ou revenda.
- PIS/Pasep e Cofins: contribuições federais com regimes cumulativos e não cumulativos. No regime não cumulativo, é permitido o crédito sobre determinados insumos, mas com muitas restrições.
Na prática, o modelo atual não garante o aproveitamento universal de créditos, o que prejudica a competitividade, principalmente entre empresas de diferentes setores ou estados.
Leia também: “Reforma Tributária: saiba quais impostos serão extintos e quais os substituirão”.
Limitações e cumulatividade parcial dos tributos
Um dos principais problemas do sistema atual é a parcialidade da não cumulatividade. Ou seja, embora os tributos em tese admitam créditos, esses direitos são condicionados a critérios subjetivos, como a “essencialidade” ou “relevância” do insumo.
Por exemplo:
- Uma empresa pode não conseguir gerar crédito de PIS/Cofins sobre materiais de escritório ou serviços de limpeza.
- Insumos considerados “não essenciais” pela Receita Federal acabam excluídos da base de crédito.
Esse tipo de interpretação gera litígios constantes, insegurança jurídica e distorções na cadeia de produção, afetando principalmente micro e pequenas empresas, além de setores com estrutura de custos intensiva.
Saiba mais em: “O que é a não cumulatividade plena da Reforma Tributária?”.
Dificuldades enfrentadas por empresas em diferentes setores
A cumulatividade parcial e as diferentes regras por tributo e por estado impõem dificuldades operacionais e financeiras às empresas. Veja alguns exemplos:
- Indústria: perde créditos ao adquirir de fornecedores isentos ou do Simples Nacional.
- Prestadores de serviços: têm acesso extremamente restrito a créditos de PIS/Cofins, o que eleva os custos e reduz a margem de lucro.
- Setor agropecuário: enfrenta limitações de crédito em insumos tributados à alíquota zero, afetando a formação de preço e a competitividade internacional.
Além disso, a impossibilidade de ressarcir rapidamente os créditos acumulados agrava o problema, pois reduz o capital de giro disponível e afeta o planejamento financeiro das empresas.
O que muda com a não cumulatividade plena do IBS e da CBS
Uma das mudanças mais relevantes trazidas pela Reforma Tributária é a adoção da não cumulatividade plena para os novos tributos IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
Na prática, isso significa que todo imposto pago na etapa anterior da cadeia produtiva poderá ser recuperado como crédito, independentemente da essencialidade do bem ou serviço. O novo modelo visa eliminar distorções, reduzir litígios e facilitar a apuração dos tributos.
Essa transformação representa uma ruptura com o sistema atual e promete trazer maior neutralidade, eficiência e previsibilidade fiscal para empresas de todos os portes e setores.
Crédito integral e automático em todas as etapas
Com a implementação da CBS e do IBS, a lógica dos créditos tributários será reformulada. O sistema passará a operar com base em crédito financeiro integral e automático.
O que isso significa na prática?
- Todas as aquisições de bens, serviços ou direitos gerarão crédito, sem restrições de essencialidade ou vinculação direta à atividade-fim.
- O crédito será registrado de forma automática na escrituração fiscal, facilitando o compliance e reduzindo o risco de autuações.
- Setores antes prejudicados por regras limitadoras, como serviços e agronegócio, poderão se beneficiar com uma compensação tributária mais justa.
Essa automatização não só desburocratiza o processo, como também reduz significativamente o contencioso tributário, uma vez que elimina a subjetividade na análise do que pode ou não gerar crédito.
Saiba tudo sobre o IBS em: “IBS: entenda o substituto do ICMS e ISS”.
Fim da cumulatividade e simplificação na apuração
Com o novo sistema, desaparece a chamada tributação em cascata, em que uma empresa não consegue recuperar impostos pagos em etapas anteriores. Isso significa que:
- Não haverá mais cobrança de imposto sobre imposto, o que garante maior transparência na formação dos preços.
- A apuração torna-se mais simples e direta: a empresa calcula o imposto devido subtraindo os créditos acumulados dos débitos gerados nas vendas, com base em alíquotas uniformes.
- O IBS e a CBS terão base ampla de incidência, reduzindo brechas e exceções.
Outro ponto relevante é a uniformização das regras em todo o território nacional, especialmente no caso do IBS, que substituirá tributos estaduais e municipais (ICMS e ISS). Isso evita a guerra fiscal entre estados e reduz a complexidade para empresas que atuam em mais de uma unidade da federação.
Saiba tudo sobre a CBS em: “Extinção do PIS/Cofins: como a CBS os substituirá?”.
Impacto no fluxo de caixa e na precificação
Embora o novo modelo traga benefícios como transparência e simplificação, ele também exigirá atenção redobrada ao fluxo de caixa das empresas, especialmente no período de transição.
Principais impactos:
- Redução da carga tributária indireta: Como não haverá mais tributação em cascata, muitos produtos e serviços terão seus preços reduzidos ou mais bem ajustados.
- Melhor planejamento financeiro: A previsibilidade dos créditos permite projeções mais assertivas sobre a carga tributária real.
- Mais eficiência na formação de preços: Empresas poderão repassar o imposto de forma mais clara ao consumidor, reduzindo distorções.
No entanto, durante a fase de transição (2026 a 2032), será necessário conviver com dois sistemas tributários ao mesmo tempo, o que pode impactar temporariamente a gestão de caixa e gerar obrigações acessórias duplicadas.
Como as empresas devem se preparar para os novos créditos
Com a implementação progressiva da CBS e do IBS, a forma como as empresas registram, calculam e compensam seus créditos tributários passará por mudanças significativas.
O modelo atual, marcado por regras fragmentadas e insegurança jurídica, será substituído por um sistema mais claro e automatizado, o que exige preparação estratégica, tecnológica e operacional.
A transição para a não cumulatividade plena trará benefícios no longo prazo, mas exigirá investimentos imediatos em sistemas, processos internos e revisão de estratégias de compras e precificação.
Ajustes no ERP e nos controles de entrada e saída
A base do novo sistema de crédito tributário será a escrituração digital automatizada, o que exige que as empresas tenham sistemas ERP atualizados e integrados à nova realidade fiscal.
Pontos de atenção:
- Atualização dos sistemas fiscais e contábeis: os ERPs precisarão estar preparados para registrar automaticamente os créditos de IBS e CBS com base nas notas fiscais eletrônicas (NF-e).
- Integração entre áreas: fiscal, contábil e logística devem atuar de forma sincronizada para garantir a correta apuração dos tributos e a recuperação eficiente dos créditos.
- Automação e compliance: a digitalização do processo reduz erros humanos, mitiga riscos de autuação e melhora a eficiência tributária.
Além disso, será necessário revisar classificações fiscais de produtos e serviços, pois alíquotas e regimes de crédito podem variar conforme a natureza da operação.
Leia também: “A Reforma Tributária e o impacto na emissão de NF-e”.
Reavaliação de custos e cadeias de suprimentos
Com a possibilidade de crédito integral e universal, empresas terão mais liberdade para estruturar suas operações com base em critérios econômicos, e não mais fiscais. Isso traz uma oportunidade estratégica: revisar contratos, fornecedores e estrutura de custos.
Impactos práticos:
- Nova lógica de formação de preços: produtos e serviços poderão ter redução de custos, já que o imposto pago nas etapas anteriores será plenamente recuperado.
- Análise de fornecedores: empresas que compravam de fornecedores com tratamento fiscal vantajoso (ex: isentos, Simples Nacional) poderão revisar essa escolha caso o crédito total esteja garantido em qualquer operação.
- Cadeias logísticas e interestaduais: a uniformização do IBS reduz as distorções causadas pela guerra fiscal, permitindo novas estratégias de localização e distribuição.
Outro ponto essencial é a previsibilidade dos custos tributários, o que permite uma melhor gestão orçamentária e a simulação de diferentes cenários com base em margens reais e carga tributária líquida.
Tudo sobre os novos impostos em: “Reforma tributária: CBS, IBS, Imposto Seletivo (IS) e novas alíquotas”.
Perguntas frequentes sobre crédito tributário na Reforma
Para facilitar o entendimento das mudanças trazidas pela Reforma Tributária no que diz respeito aos créditos de impostos, respondemos abaixo às principais dúvidas de empresários, contadores e gestores tributários.
1. Todos os créditos de impostos serão mantidos?
Não. Com a substituição dos tributos atuais (ICMS, ISS, PIS, Cofins) por IBS e CBS, haverá uma nova lógica de apropriação de créditos, baseada na não cumulatividade plena. Isso significa que:
- O crédito passa a ser integral e automático, sem depender da essencialidade do bem ou serviço.
- Setores específicos, como saúde, educação e agronegócio, ainda poderão contar com regimes diferenciados, inclusive com restrições de crédito, dependendo da regulamentação.
Além disso, alguns benefícios fiscais hoje existentes podem deixar de existir, conforme o princípio da uniformização e neutralidade da tributação no novo modelo.
2. Haverá ressarcimento de créditos acumulados?
Sim. A Reforma prevê mecanismos de ressarcimento automático de créditos acumulados, especialmente em situações como:
- Exportações (operações desoneradas)
- Acúmulo por aquisição de bens e serviços com alíquotas maiores do que a de saída
- Setores com isenção ou alíquota reduzida na ponta final
Importante: O cronograma de transição, previsto até 2032, pode gerar períodos de acúmulo de créditos em duplicidade (tributos antigos + novos), o que exigirá controle rigoroso e procedimentos específicos para ressarcimento ou compensação.
Empresas devem se preparar para isso com gestão eficiente dos saldos credores e atualização dos controles fiscais.
3. Como funcionará o crédito nas exportações?
As exportações continuarão desoneradas no novo sistema tributário, e isso inclui:
- Direito ao crédito integral de IBS e CBS nas aquisições feitas para exportar.
- Ressarcimento ágil desses créditos acumulados, de forma eletrônica e automatizada, conforme prevê o novo modelo digital de apuração.
Com isso, o exportador brasileiro deverá ter maior competitividade no mercado internacional, ao garantir que não haja nenhum resquício de carga tributária sobre os produtos ou serviços destinados ao exterior.
4. A não cumulatividade plena reduz a carga tributária?
Não necessariamente. A não cumulatividade plena melhora a transparência e a justiça fiscal, pois elimina a tributação em cascata e garante o crédito integral em todas as etapas. No entanto:
- A carga tributária final dependerá das alíquotas efetivas que serão fixadas na regulamentação do IBS e da CBS.
- Em alguns setores, a carga poderá aumentar, principalmente onde hoje há regimes favorecidos.
- Já em outros casos, especialmente cadeias longas ou empresas com muitos insumos, a tendência é de redução da carga líquida, graças à ampliação dos créditos.
O importante é que, com o novo sistema, as regras serão mais claras, estáveis e previsíveis, permitindo um planejamento tributário mais eficiente.
Todas as respostas sobre a Reforma Tributária em: “Reforma Tributária: perguntas e respostas”.
Conclusão: crédito integral e transparência como pilares da nova tributação
A Reforma Tributária inaugura um novo capítulo no sistema fiscal brasileiro, e o modelo de crédito tributário é um dos pontos mais transformadores dessa mudança.
A transição para a não cumulatividade plena, com crédito integral, automático e universal, representa uma ruptura positiva com as distorções históricas do nosso sistema.
Ao substituir ICMS, PIS, Cofins e ISS por CBS e IBS, o país adota uma lógica mais moderna, alinhada aos princípios de:
- Neutralidade tributária, ao permitir que o imposto não distorça as decisões econômicas;
- Transparência, com apuração clara e digital dos tributos;
- Equidade, ao reduzir a vantagem competitiva gerada por regimes especiais ou incentivos fragmentados.
Ainda que a transição exija preparo operacional, tecnológico e estratégico como ajustes em ERPs, revisão de cadeias de suprimentos e capacitação fiscal, os ganhos em previsibilidade, segurança jurídica e redução do contencioso são inegáveis.
As empresas que se anteciparem e entenderem a fundo as novas regras de crédito sairão na frente: não apenas pagando corretamente os tributos, mas também aproveitando integralmente os benefícios do novo sistema.




